A relação das crianças com a tecnologia

As diferentes formas com que os pais lidam com o uso da tecnologia por seus filhos estão criando três tipos distintos de usuários digitais e estabelecendo o palco para um choque de culturas.

A era dos nativos digitais acabou.

Em 2001, o consultor de educação Mark Prensky criou o termo nativo digital para alertar os professores da onda emergente de estudantes que chegariam às salas de aula trazendo novas formas de pensar e absorver informações depois de crescer cercados de computadores, video games, cameras digitais, MP3, smartphones e outros dispositivos. O termo foi pegue emprestado por jornalistas e acadêmicos e acabou definindo o grupo nascido entre o meio dos anos 80 e o meio dos anos 90.

Mas é hora de deixar de lado a ideia de que aptidão tecnológica pode ser reduzida ao fato de alguém ser nativo digital ou não. Pesquisando mais de 10.000 pais americanos, a pesquisadora Alexandra Samuel concluiu que os pais estão lidando como seus filhos usam a tecnologia de formas bem diferentes e como resultado três grupos distintos de crianças/jovens (os orfãos, os exilados e os herdeiros digitais) em breve estarão entrando nas escolas e locais de trabalho. Entendendo-os, podemos nos preparar para os conflitos e mudanças que estão por vir.

Como o termo de Prensky, essa classificação é uma generalização, mas ela é útil ao nos levar a pensar sobre como a juventude está crescendo com a tecnologia e o impacto que essas experiências formadoras podem ter.

Orfãos digitais cresceram com muito acesso à tecnologia, mas pouquíssima orientação. Eles têm sido criados por pais que proveem acesso quase ilimitado aos recursos tecnológicos. Contudo, seus pais e mães tem poucas conversas com eles sobre o que eles aprendem, veem e experimentam e como isso importa. Com isso, os orfãos podem acabar priorizando redes sociais a interações face a face, levando à habilidades interpessoais debilitadas.

Apesar de que provavelmente irão se tornar adultos que se sentirão em casa na Internet, eles podem não pensar muito sobre que tipo de casa que querem que ela seja. E sem refletir sobre as consequências da tecnologia, eles podem acabar trazendo um pouco do pior da Internet para a sociedade, no lugar de trabalhar ativamente para melhorar a vida online e offline.

Exilados digitais são o extremo oposto: eles têm sido criados com o mínimo de contato com a tecnologia. O objetivo de seus pais tem sido de limitar o acesso de seus filhos à tecnologia para atrasar sua entrada ao mundo digital até a adolescência (se possível) - a faixa etária que são menos propensos a ouvir os conselhos dos pais. Muitos exilados se jogarão na vida online como vingança, e eles podem sofrer para desenvolver uma relação equilibrada com a tecnologia. Eles se tornarão ávidos usuários de redes sociais como também serão os mais propensos a se envolver nas várias formas de problemas online.

Outros exilados, contudo, poderão continuar seguindo os pais e se tornarem neo-luddita. Isso pode levar a conflitos: enquanto a sociedade gentilmente sorri para os idosos que ainda estão para adotar mensagens de texto, não é claro se essa tolerância se estenderá aos jovens que rejeitam tecnologia explicitamente. Os governos e organizações estarão dispostos a oferecer opções de serviço face a face para cidadãos que ideologicamente rejeitam os canais digitais? Esse é o tipo de questão que os exilados nos forçarão a responder.

O termo ‘luddita’ (ou ‘luddista’) designa, em sentido depreciativo, toda pessoa, geralmente adepta do anarcoprimitivismo, que se opunha à industrialização ou a novas tecnologias (Wikipédia)

Herdeiros digitais tem habilidades digitais impressionantes, em grande parte graças aos seus pais e professores. Seus mentores adultos tem encorajado e direcionado sua educação tecnológica, os matriculando em aulas e tendo conversas sobre ser um usuário responsável da Internet. Ao chegar no ensino superior, já sabem fazer websites e filmar/editar vídeos.

Alexandra crê que eles irão trazer essa orientação tecnológica para suas relações comerciais, sociais e políticas, demandando produtos e serviços digitais e programáveis, como publicações online que permitam escolher qual conteúdo você verá (e onde e quando você o verá); produtos que vão além da customização para a co-criação; e comunidades que permitam cidadãos criar serviços provendo dados, plataformas online abertas e espaços para hacking.

Devido ao seu alto nível de compreensão dos recursos tecnológicos, herdeiros poderão encontrar desafios em lidar com seus pares menos hábeis e portanto precisarão de um pouco de flexibilidade e compreensão.

Em rota de colisão: visões e estilos de comunicação desses 3 tipos

Enquanto nossa cultura continua transicionando de uma sociedade analógica para um híbrido digital/analógico, a forma com que as pessoas se relacionam com a tecnologia definirá suas oportunidades profissionais, seus relacionamentos com as autoridades e a forma de interação com os outros.

Já vimos o assunto da criação conectada trazer discordâncias: entre os pais, sobre quando eles deveriam dá um celular aos filhos; entre pais e escolas, sobre como a tecnologia deveria ser usada em sala de aula; e entre famílias, sobre quais jogos seus filhos podem jogar juntos.

Avancemos 5 ou 10 anos e essas crianças serão adultos com seus próprios debates. Mas dessa vez será sobre trabalhar nas empresas que proveem empregos com jornadas convencionais ou nas que usam as mais novas tecnologias, mas que só contratam freelancers; e sobre votar nos políticos que defendem as políticas que eles querem ou improvisar suas próprias soluções via hacking, pirataria e comunidades faça-você-mesmo (em inglês Do-It-Yourself - DIY) online.

O impacto dessas diferenças vai moldar a Internet e o mundo que vivemos.

No fim das contas, como usamos a Internet (o que prestamos atenção e o que ignoramos) determina o conteúdo e experiência da própria Internet. Herdeiros digitais sabem disso e eles podem assumir um papel importante de mentores do resto de sua geração para usar e moldar a Internet.

Contudo, também é possível que a tensão entre esses três grupos poderá intensificar a polarização que já atinge a Internet (e a sociedade) se as diferentes preferências tecnológicas de cada grupo os levar a “fugir” para as comunidades e plataformas online que os apoiam.

Ao desafiar a ideia que todas as crianças de hoje são simples nativas digitais, podemos ter certeza que cada uma delas pode encontrar sua própria forma de lidar com a tecnologia - seja usando-a para completar tarefas básicas ou para criar novas tecnologias para o mundo. Ter consciência das diferenças entres nossas crianças agora é o que pode ajudá-los a se manter unidos.


Como você tem tratado a relação do(s) seu(s) filho(s) com a tecnologia? Compartilhe conosco suas experiências.

Fonte 1

marcelo

Marcelo Ferreira

Co-fundador da TrincaTech desenvolvimento, é um engenheiro de software que admira a elegância da simplicidade e acredita num mundo melhor e mais tech.

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